O COMPLEXO DE ÉDIPO, A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E A CLÍNICA PSICANALÍTICA
- Psi Gabriela Gazito
- 25 de fev.
- 6 min de leitura
Compreender como Freud estrutura a sua teoria do complexo de Édipo e entender a função que este conceito desempenha na teoria psicanalítica e na clínica, é de fundamental importância. Pois, é por meio do desenvolvimento teórico a partir deste mito, junto a outros conceitos como o de complexo de castração, que Freud vai estruturar, desenvolver e fundamentar sua teoria sobre a constituição subjetiva, que estrutura o aparelho psíquico.
O complexo de Édipo é visto como um conceito pilar da psicanálise; diz de um processo que alicerça a construção subjetiva no qual todo sujeito passa. É por meio do Édipo que se edifica a sexualidade humana, sexualidade esta que está para além do sexo conceitualmente conhecido.
Freud mostra que o complexo de Édipo diz sobre uma sexualidade que não é biológica e com finalidade apenas reprodutiva, mas de uma sexualidade que é pulsional, constituída e construída a partir das primeiras relações estabelecidas com as figuras de amor, como pai e mãe. De um percurso que perpassa o corpo da criança, suas experiências e os limites estabelecidos por seus cuidadores.
Podemos compreender o complexo de Édipo como uma lenda que explica a origem da nossa identidade sexual - identificação enquanto homem ou mulher - bem como também o processo no qual origina os nossos sofrimentos psíquicos. (NASIO, 2002).
Laplanche e Pontalis (2022, p.77) conceituam o complexo de Édipo como:
Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e odio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do complexo de Édipo. Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três anos e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período de latência. É revivido na puberdade, e é superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de Édipo desempenha um papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano.
Observa-se que Freud não elabora uma teoria sistematizada e estruturada de modo linear; a construção da teorização do complexo de Édipo passa por diversas formulações ao longo de toda obra freudiana. “O complexo de Édipo é um conceito que atravessa toda a obra freudiana (de 1897 a 1938).” (FARIA, 2021, p. 35).
Freud escreve apenas um texto direcionado especificamente ao complexo de Édipo, nomeadamente, “A dissolução do Complexo de Édipo” (1924), mas a referência a este tema está presente em sua obra desde as suas correspondências com Fliess e aparece em diversos outros artigos escritos por ele.
Faria (2021, p. 24) o define como um eixo fundamental da psicopatologia freudiana e conceitua o complexo de Édipo como “[...] o conjunto das relações que a criança estabelece com as figuras parentais que, segundo Freud, determinam os caminhos da organização da sexualidade, desde o aparecimento das primeiras manifestações sexuais infantis, até a fase de latência.”
“O Édipo não se restringe ao “complexo nuclear” das neuroses, mas se configura, também, como um elemento que organiza e estrutura o sujeito diante da distinção entre os sexos e, sobremaneira, frente à angústia de castração.” (SANTOS, DACORSO, 2020, p.129)
Para Freud (1905), nota de rodapé acrescentado em 1920, o complexo de Édipo compreende a parte nuclear da neurose, alcançando tanto a sexualidade infantil como também refletindo e influenciando a sexualidade do adulto. Nesta mesma nota, Freud reafirma a importância do Édipo, colocando o reconhecimento do mesmo como um fator de distinção de quem seria ou não psicanalista.
O complexo de Édipo junto ao complexo de castração - que dá suporte e faz parte da dissolução/saída desse complexo - configuram-se como um processo no qual algo se inscreve e marca a presença de uma falta “que apresenta , para a criança, uma dialética até então inexistente[...]” (FARIA, 2021, p. 42) e a coloca no mundo das relações.
Lacan em seu retorno a Freud, faz uma releitura do complexo de Édipo, contudo para ele o Édipo está para além desta perspectiva mítica da relação incestuosa entre mãe e filho; ele busca “[...] na linguística e na antropologia estrutural recursos para extrair do mito sua estrutura simbólica e escrevê-la numa fórmula, a fórmula da metáfora paterna.” (FARIA, 2021, p. 9). Assim Lacan, compreende o Édipo como uma função que diz sob o irredutível de uma transmissão, “[...]que é de outra ordem que não a da vida segundo as satisfações das necessidades, mas é de uma constituição subjetiva[...]” (LACAN, 2003, p. 369).
Notemos assim, que a temática do complexo de Édipo é muito mais do que “[...]uma trama imaginária da relação incestuosa da criança com a mãe e de rivalidade com o pai, mas aquilo a que essa trama dá sustentação: a estrutura simbólica que orienta o desejo em torno da dialética falo-castração.” (FARIA, 2021, p. 9). Diz sobre a transmissão a partir da função materna e paterna, de uma falta e da encarnação da lei do desejo. (LACAN, 2023, p.369).
O complexo de Édipo trata-se portanto, de uma transmissão simbólica, que instaura a falta e a lei quanto ao desejo materno, formando um hiato que permite assim a constituição de um sujeito que se estabelece a partir de uma história familiar e da sua forma de responder a ela.
Concerne uma trama que tece e ordena o desenvolvimento da sexualidade humana; da forma como será estabelecida a relação do sujeito do inconsciente, com as leis, regras sociais e a escolha de objeto. De marcas que deixam sinais em nosso inconsciente e definem simbolicamente nossa relação com o mundo, a nossa posição nesse mundo que marca simbolicamente a nossa relação com a falta (castração) e com a lei.
Isto posto, ressalto a importância da compreensão desse pilar teórico para a clínica psicanalítica, pois em uma análise, ao escutarmos um sujeito sendo ele criança ou adulto, estamos escutando o sujeito do inconsciente que se expressa na transferencia, que diz sobre a forma de cada um se posicionar diante os conflitos de sua existência.
As dores, angústias, sofrimentos que eles trazem dizem sobre a sua forma de se posicionar diante sua história preguessa, sobre esse hiato que impôs limites, barreiras e impossibilidades. Na clínica, o que aparece na transferência é o Édipo, a forma como o sujeito se relaciona com seus conflitos afetivos, com as suas escolhas, vai dizer sobre a sua relação com a castração, de como se estruturou psiquicamente.
Na clínica estaremos diante de um sujeito que está para além do indivíduo, que vai responder ao meio existente a partir de uma forma de gozar específica, de fantasiar específica que fala a um Outro e que demanda a partir de uma posição que é estrutural.
REFERÊNCIAS
FARIA, M. R. Constituição do Sujeito e Estrutura Familiar: O complexo de Édipo, de Freud a Lacan. 3°ed. 3° Reedição. Taubaté - SP: Editora e Livraria Cabral Universitária, 2021.
FREUD, S. A dissolução do complexo de Édipo. In: FREUD, S. Obras completas, volume 16: O eu e o id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). Trad Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
LACAN, L. Nota sobre a criança (1969). In: Outros escritos. Trad: Vera Ribeiro; versão final Angelina Harari e Marcus André Vieira; preparação de texto André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
LAPLANCHE, J; PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. Trad: Pedro Tamen. 5° ed. São Paulo: Martins Fontes, 2022.
LIMA, H. O complexo de Édipo para a psicanálise. Instituto ESPE. YouTube, 20 de jan, 2022. Disponível em: Acesso em:19/09/2023.
MOREIRA, Jaqueline de Oliveira. Édipo em freud: o movimento de uma teoria. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 2, p. 219-227, mai./ago. 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pe/v9n2/v9n2a08.pdf. Acesso em: 05 de abr. 2020.
NASIO, J.D. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Trad: André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
STAGLIANO, K. Narcisismo e constituição psíquica. In: Fundamentos da psicanálise:teoria e clínica. Instituto de Ensino Superior em Psicologia e Educação (ESPE), 2023. Disponível em: https://espe.app.toolzz.com.br/play/player/53099923?escola_id=posgraduacao&aula=93981&conteudo=71823028&institution=espe&school=posgraduacao
STAGLIANO, K. Complexo de Édipo e formação da subjetividade. In: Fundamentos da psicanálise:teoria e clínica. Instituto de Ensino Superior em Psicologia e Educação (ESPE), 2023. Disponível em: https://espe.app.toolzz.com.br/play/player/53099923?escola_id=posgraduacao&aula=93981&conteudo=71823028&institution=espe&school=posgraduacao
AUTORIA GABRIELA MACIERA GAZITO. TEXTO ELABORA PARA O MÓDULO DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE. DIREITOS RESERVADO AO AUTOR.

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